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O encontro (Um conto de Preto-Velho)


O encontro Um conto de Preto-Velho 
por Adriano Camargo 

Acordaram cedo naquele dia. Poderia ser um dia destinado ao lazer, mas não era. Levantar tão cedo naquele domingo representava muito para aquele casal. Fazia parte da luta que travavam contra uma doença até então desconhecida pelos médicos e especialistas. 

O menino que já contava os dez anos de idade parecia ter muito menos. Olhos fundos, boca aberta sem forças para se manter fechada ou esboçar algum sorriso. Franzino, tinha dificuldades na escola, não conseguia acompanhar fisicamente o ritmo das outras crianças de mesma idade, mas, seu raciocínio era perfeito. 

Trazia em seu íntimo uma inteligência única. Sua capacidade de assimilar, de aprender era espantosa. Aprendera andar, falar, enfim as coisas básicas que as crianças levam um determinado tempo para aprender, em bem menos que o comum. Até os sete anos de idade tinha uma boa saúde, como qualquer criança normal. Muito ativo, seus pais nunca tiveram preocupações com coisas além das traquinagens do dia a dia. Mas agora era diferente. 

Os médicos não diziam nada. Nada explicava aquela apatia que se abateu sobre o garoto havia quase três anos. Os exames médicos foram insuficientes para diagnosticar a trama astral contra aquele espírito. O garoto que viera encarnar com a missão de redirecionar outros espíritos afins, de volta ao caminho da evolução, agora penava nas garras de vampiros do astral. Seus pais, católicos por conveniência, não acreditam nessas coisas. Aquele seria o último recurso. Quando nada mais convencia, quando os médicos simplesmente disseram que era um caso raríssimo que ninguém sabia dizer o que era, foi um jovem médico, estagiando num dos muitos hospitais os quais aquele menino passou, muito encabulado, disse aos pais: 

-“Tentem levá-lo a um benzedor, um curandeiro... isso parece coisa do outro mundo”. 

Na hora, o pai quase agrediu o médico, que foi ridicularizado pelos companheiros de profissão. Depois refletiu e cedeu às circunstâncias. Agora, dentro daquele ônibus, iam em direção a um bairro bem afastado da cidade. 

O lugar é pouco convidativo. Foi indicado por um vizinho da família. Disse que a pessoa era de confiança e não cobrava nada. Só tinham que ir até lá. Foram quase duas horas de trajeto dentro do ônibus em direção àquela periferia. Desceram no ponto final e seguiram o mapa mal feito em papel de embrulho. Entraram numa viela, ou melhor, num caminho no meio do mato mesmo, e visualizaram um casebre no fundo. 

Ao pisarem naquela entrada, o garoto ficou estranho, arregalou os olhos e uma expressão de pavor tomou conta de seu rosto. Na porta da casinha apareceu um senhor de feições agradáveis, sorriso discreto e um cigarrinho de palha no canto da boca. Estava a uns trinta metros daquele homem e o garoto ficava cada vez mais desconfortável e medroso. Ao se aproximarem o senhor disse: 

- Estava esperando vocês... entrem, traga-o até aqui. – falou com voz firme. 

Os pais se entreolham e perguntam através dos olhares o que está acontecendo. Ninguém havia marcado hora com ele, como sabia que estavam vindo. O garoto se desespera e o pai faz menção de ir embora. 

Questiona: – O que estou fazendo aqui, meu Deus? O homem volta à entrada da casa e diz mais uma vez firme: 

- Está aqui pela vontade Dele... entrem, traga-o até aqui. Ao passar pela soleira da porta, o garoto parecia outro. Suspirou fundo e estremeceu todo o corpo. Olhou para os pais não entendendo o que passava. Súbito, passou o desespero e o medo. Foram conduzidos até a sala da casa onde aquele senhor, já incorporado por um Preto-Velho abraçava o menino. Demorou uma meia hora benzendo-o e explicando aos pais a missão do pequeno e a necessidade de uma religiosidade consistente em suas vidas. 

Sua simplicidade tocou o coração daqueles dois. O garoto tinha uma reação visível. Conversavam como se fossem velhos amigos e o menino ria a cada engasgada que o velho dava com a fumaça de seu cachimbo. Receitou banhos e defumações, fez cantos e orações e terminado o atendimento, presenteou-o com um colar de sementes. 

Apesar da simplicidade, aceitaram o convite e almoçaram naquela casa. Ao se despedir, os pais não acreditavam no que viam. O garoto que ali chegou praticamente carregado, agora saia andando e só não estava mais ativo porque a recuperação física agora era necessária. Mas sabiam que algo havia realmente acontecido. O médium observa a família indo embora e volta pra dentro de casa com a certeza e confiança que mais um irmão foi encaminhado. E quem teve oportunidade pôde ver o espírito do velho negro sorrindo, agradecendo aos Exus Guardiões que responderam às suas ordens e capturaram o obsessor, ser trevoso que jurou vingança àquele menino ainda em outra encarnação, levando-o, e a toda sua horda de seguidores. 

Ao reencontrá-lo nessa vida, resolveu usar de todas suas artimanhas do baixo astral para interromper a encarnação daquele que anos mais tarde, se tornara um sacerdote de Umbanda, cujo terreiro abriga muitos filhos de fé que são orientados no retorno à sua rota evolutiva. 

O filho, agora Pai, nunca mais encontrou aquele médium. Mas o velho escravo ainda é visto ao seu lado, pitando seu cachimbo e sorrindo a cada irmão encaminhado. O colar continua em seu pescoço. 

Saravá Pais e Mãe Orixás. Salve todos os Pretos e Pretas Velhas. Salve Pai Benedito, Pai Floriano e Pai Joaquim. 
Salve Vovó Afonsina e Vovó Catarina. 
Salve os Srs. Exus de Lei e Sras. Pomba-Giras Obrigado pela Vossa Benção e Vossa proteção.


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